(rasputine)
A única forma de um coxo (meio louco) percorrer Roma é de Vespa. Não é que não haja outras maneiras, mas a única forma de um coxo (meio louco) percorrer Roma é de Vespa. Oiço o médico, você é louco ! neste estado ? a Roma ? de Vespa ? você é louco.
Não adio outra vez e como não dá para andar, alugo uma bengala a motor. A partir de uma certa idade um homem tem o dever de zelar pela sua integridade física, lá diz o médico outra vez. A Roma, de Vespa, neste estado ? você é louco.
Pois. E continuar provavelmente a dar chutos na bola, e um dia mandar-me de pára-quedas e pegar nos miúdos às costas e levá-los ao Pico, e rebentarem-me os joelhos, e estalarem as vértebras, só para eles verem aquele bocadinho de céu, aquele bocadinho de Deus.
Pois, Grande Chefe, vai ter que ser, mas esteja tranquilo que a cicatriz que fez com o canivete será bem tratada, não se preocupe e vou chegar melhor do que fui.
Pego na 125, muito mal tratada, amolgada, direcção torta e pesada, espelhos que não servem, travões que só muito apertados. Parece a minha perna. Mas não derrapa, nem quando caem umas gotas que ensaboam os paralelepípedos que se espalham nas ruas. Aqui não me querem mandar ao chão. Os carros. E ela aguenta-se bem. É responsável.
Percebo Roma ao lungotevere e daí entramos onde queremos. Café no "Rosati", café no "Greco", ou num qualquer do Campo dei Fiori. Ao lado do Cinema Farnese que exibe "O Segredo dos Seus Olhos". Só não entro porque deve estar dobrado. Café e um cigarro aceso no fósforo do restaurante do outro dia.
Trastevere, o bairro alto aqui é baixo, dizia o Mega Ferreira. É a quarta vez que venho e só agora a começo a conhecer. A bengala a motor é que faz isso tudo. Obrigado, garota.
Dói-me o negro da barriga da perna. Faz com que durma não sei como. Se estivesse aqui o tipo que me espetou a chuteira dizia-lhe duas. Aguenta, senão o médico é que tem razão. O buraco está menos buraco. Da perna, porque nas ruas são tantos que é um milagre não ir ao chão. Mas aqui não é Lisboa. Roma em Lisboa é que era, oiço dizer. E as romanas estão lindíssimas.
O dia cinzou e entro na livraria Fanucci. Há um livro do Pratt na prateleira. Tantos prats. Caro. Mas não vou pensar nisso quando estiver-lhe a ler as páginas e desenhos a preto e branco. E um dia dou-o aos meus filhos. Em Portugal nunca o editaram - "WWII, Storie di Guerra". Vem comigo italiano.
Os monumentos cá continuam, mas já não me interessa nenhum, embora lhes sentisse a falta a todos. Só me apetece as ruas. Sujas. E os Cafés. E almoçar, outras vezes jantar. Conversar. Cláudio, o taxista. Da Lazio. Michele, o recepcionista. Cristina, a cozinheira. Ver livros. E livrarias. De cinema. E trazer coisas para os putos. Está calor e ando de t-shirt na bengala a motor. Porque sabe bem. Não ter só a perna a chatear. E aqui não me querem mandar ao chão. Aqui não pode ser, que aqui ainda tenho o médico na cabeça.
E aqui nem buzinam. Só querem passar.
Roma é uma cidade decadente, diz-me o senhor de 50 anos que me ajuda a puxar a mala. Respondo que foi sempre assim. Por isso é que é eterna.
E Berlusconi, o caimão, ainda manda.
(rasputine)
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