quarta-feira, 23 de setembro de 2015

(Wild) Horses


Lisboa, 21 de Setembro de 2015. 21h35m. Nova Iorque continua à mesma distância de sempre. 5.400 kms em linha recta, por causa da latitude, e menos cinco horas de fuso. Cidades tão diferentes. Uma a desaguar de luz virgem, a outra explodindo na escuridão. Uma parece que só dia, a outra espreme noite e néons. E se uma nasce do rio, doce e antigo, a outra brota a raiva das ruas sujas, todos os dias travesti. Pedra da calçada vs alcatrão.
Continuam à mesma distância, mas é possível, em não mais que duas horas, sermos cuspidos para o 176 da Bowery, em NYC, onde morreu a velha CBGB, meca do punk dos anos 70.
E a culpa é desta velhota.
Patti Smith mantém intactas todas as qualidades que fizeram dela o pistão máximo da cena artística-rock. E 'tá-se a cagar.  «Jesus died for somebody's sins but not mine».
O Coliseu transborda. Sua de cheio, e o motivo não é para menos. Passam 40 anos sobre o 'Horses' e viemos à celebração. Está a rebentar e a energia sexual que dele pulsa podia talvez derrubar um governo. Mas isto já é sonhar alto.
Vemo-la de perto e Patti Smith escarra para todas as convenções que possa haver sobre o que uma mulher da idade dela é suposto estar a fazer. Como escarra no palco quando precisa de libertar a garganta para os versos de 'Gloria' ou 'Pissing in a River'. Toca o lado A, vira o disco, pega no braço e coloca a agulha para o lado B. 
A certa altura pede a companhia do anjo de Jim Morrison que quer libertar como os escravos do Michelangelo do mármore em bruto. Chama por Jimi Hendrix e por todos os que se foram antes do tempo, Janis Joplin, Brian Jones, Lou Reed, Fred Sonic Smith, o seu eterno Robert (Mapplethorpe), os Ramones, um a um, Kurt Cobain, Amy Winehouse, a quem oferece canções, como flores que lhes derrama para as campas, lindas e tristes. Do público, ouve-se um grito por William Burroughs.
Atira folhas com versos inteiros pelo ar, convocando sempre a poesia, a mãe de tudo o que faz. A casa de Pessoa. Os livros que ele lia. Os mesmos que nós. Oscar Wilde, William Blake, Whitman ou Rimbaud. Ginnsberg se não tivesse vindo depois. 

Esta mulher não desiste. Com o seu longo cabelo branco, continua sem dono e quer a mesma revolta para nós. Contra as empresas, governos e todos os exércitos do mundo.
"C'mon Motherfuckers !", 'People Have the Power' com o punho bem erguido e a força expulsa das suas entranhas. E essa parece a grande utopia. Olhem para os gregos.
Mas ao mesmo tempo, mamma, com um amor imenso por nós. Ternura nos braços, entre canções e carradas de cabedal.
De orgasmo em orgasmo, e quando o corpo já não pode mais, mete o som de velhos rebeldes nos microfones. Velvet Underground e The Who pingando em suor e no meio de muito fumo.
Para fechar a Performance esfolando a guitarra e rebentando, uma por uma, as cordas da sua Fender, a quem depois beija com gratidão a despedida, numa muralha de feed-back.
I am You. 

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