quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Na Apanha

(se não sabem já do que vou falar a seguir
é porque nunca fizeram uma)

Não fazemos isto porque seja giro ou por desporto. Não nos matamos ao fim-de-semana, com a sova que elas nos dão, para ganhar músculo ou para pagar o gasto que aquela quinta nos custa. Não nos esgatanhamos todos nos três fins-de-semana que ela dura quando trepamos às 300 oliveiras para ripar os últimos ramos por alguma espécie de karma ou se trate de cumprir uma promessa. Não é por isso que aceitamos ficar com dores nas costas durante sete dias (ou mais) que nos lembram todas as vezes que mil vezes nos dobrámos para recolher o panal, para estender o panal, para recolher o panal, para estender o panal, e apanha lá mais essa azeitona que está no caminho e não pode ficar fora da tulha.
Apanhamos a azeitona do Monte de Santiago porque é preciso. É simples.
Porque ninguém o faz por nós e não dá para aliviar as oliveiras de outra maneira. Porque é a única coisa que as nossas oliveiras nos dão e não a queremos ver no chão. Sem outra ajuda que as nossas mãos, as varas que se partem pelo caminho e as castanhas que a mãe assa no forno para distrair a fome durante o dia. Família no magusto.
E, por isso, todos os anos lá vamos. Há 16 que - a brincar a brincar - é metade da vida que tenho. Bolas !, que pensar nisto assim é dose dupla.
E todos ajudam. As miúdas com os tractores de brincar e o puto vão metendo uma azeitona ou outra para dentro do balde, misturando-as com as pedrinhas que também apanham. E até a mana que está grávida. Mas o cachorro (que já esteve em Lisboa) atrapalha quando se deita em cima do panal e quer brincar; o Socks para uns e Rafa para outros quando querem lembrar o velho cão da quinta.
Os homens varejam. O pai agora com uma vara mecânica com uma espécie de dedos na ponta e que empesta tudo a gasolina e dá cabo do silêncio e (quase) da conversa, mas despacha mais o serviço.
As mulheres vão ao rabisco e, as mais afoitas, também sobem às árvores. Depois de lhes malhar forte e feio, de quase ficarem podadas para o resto do ano, trepamos lá para cima onde desaparecemos no meio dos ramos de folhagem cerrada e ripamos o resto que não quis cair à primeira.
- Pai, se me dás com a vara, desço e temos uma conversa !
Às vezes, quando se cala o ripador mecânico, consegue-se ouvir o Charles Aznavour que pus na aparelhagem. Liguei as colunas e meti-as cá fora.
Este ano as árvores estão carregadas e a azeitona está boa, uma preta outra ainda verde, mas cheia. De água e óleo que é coisa que não gostam no lagar de Montemor. Pesa mais e têm que pagar mais. Uma Cooperativa que nunca paga muito porque nos come a maior parte e só paga nove cêntimos o kilo. Depois exportam o azeite para os Estados Unidos ou para a Europa com uns rótulos bonitos e cobram as garrafas a peso de ouro. Chulice do camandro. E depois ainda falam do comunismo...
Mas é isto que fazemos. Quando chega Novembro e com os olhos na serra do Monfurado. Até ficar noite e já não se ver mais nada. E depois, debaixo do holofote, ainda ensacar 800 ou mais kilos que este ano não deu para chegar à tonelada e meia. Para ter uns garrafões de azeite durante o ano que os pais vão distribuindo conforme se vai precisando.
(do primeiro rótulo de Azeite do Monte de Santiago)

2 comentários:

  1. ... estranhamente, nem falaste do frio que estava. É o exercício que o faz esquecer? Ricas tradições estas, quase perfeitas, excepto no tal cansaço de que te queixas. Adorei ler a descrição. bjs

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  2. Porque é preciso.
    Que força tem aquilo que é preciso! Apesar de resumires assim a necessidade, ainda a vais explicando: aliviar as àrvores e aceitar a sua dádiva recolhendo-a. Será que esse sentido de dádiva e aceitação é só coisa tua? Lá vais dizer que eu tenho tendência para o misticismo ... mas a escrita é tua e eu gosto dela porque acho que ela fala verdade. Uma verdade que até é objectiva.
    O pior são as dores nas costas ... mas enquanto o fizeres, isso quer dizer que se aguenta.

    Um xi

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