sábado, 22 de janeiro de 2011

Cuba II

Trânsito caótico. Como mandam as regras.
Entra-se em Havana através da escancarada Praça da Revolução onde no alto de um prédio a efígie recortada do el Fuser Che Guevera vigia a revolução. "Hasta la victoria, siempre !". 50 anos de sangue e poesia. Liberdade e ditadura. Feroz e comunista. Tão fácil trair um ideal. O testamento de Fidel, Che e Camilo Cienfuegos, os barbudos da Sierra Maestra. 
La villa de San Cristobal de Habana, o grande edifício do Capitólio e o brilho dos cadillacs, dos buicks e dos pontiacs (de alguns), os últimos automóveis que entraram na ilha de Fulgencio Baptista e dos seus american friends que vinham atrás de mojitos, casinos e do sexo das mulheres cubanas. O Hotel Plaza tem 100 anos. Vêem-se todos. A arte nova que o decora quase cai. O quarto tem uma cama, um toucador, uma cadeira, duas mesinhas e uns candeeiros. Os tectos são altos e a porta range. Gosto.
Pedimos ao guarda do "Gran Teatro" para entrar. Não é hora de espectáculo, mas convenço-o. Subo ao palco e digo "O Mar Salgado".
Cafés. Por todo o lado. Atraem-me sempre. Numa esquina, há um de que o Eça gostava, cônsul de Portugal em Havana. Tem na parede azulejos do Almada. Mesmo em frente aproveito para comprar uma caixa de Partagás Club. Estes guardo-os para o meu Pai, para fumar numa noite quente no Alentejo.
Havana la vieja tem praças lindas. Dos edifícios brotam as buganvílias. Na Plaza de Armas há uma feira do livro. É lá que está o Sr. Francisco, um homem que vende livros e discos. Tem 70 anos, a pele clara e os olhos azuis denunciam sangue europeu. Vende-me um livro de fotografias do Korda captadas no dia da Revolução e, com uma bonita encadernação, "La Historia me absolvera", a defesa de Fidel quando foi julgado pelo assalto ao Quartel Moncada.
De uma "sociedad", espécie de restaurante, ouve-se a música do Compay e do Buena Vista Social Club. Há gente que dança. Há mel naqueles corpos. E não é só do calor.
Havana está quase parada há 50 anos. E a beleza vem dessa antiga decadência. E só quem fuma um puro no café do Hotel "Ambos Mundos", quem escuta as bandas na Bodeguita del Medio, quem se enterra nas ruas paralelas da cidade, quem se deixa levar pela maresia das ondas que rebentam no Malecón, quem traz o cheiro intenso das especiarias e quem se perde em conversas de horas com os filhos da ilha - com Ramón Gutierrez, chefe de segurança da Escola Nacional de Ballet que se queixa de como o Estado os asfixia -, gentes pobres, mas carregadas de cultura, educação e compromisso com a vida, só quem olha para tudo com os olhos abertos é que se apaixona. E onde se cansa a máquina fotográfica.
Havana não é Paris, Madrid ou Roma. Nem Nova Iorque ou, sequer, Buenos Aires. É uma terra romântica impregnada de vida e amor. Cheia de História e histórias de dor. E que merece ser livre.

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