Quando era puto havia uma figura que me intrigava sempre que visitava a casa de um tio amigo em Carnaxide. Este meu tio tinha vivido algum tempo em Paris nos anos 60 ou 70 e tinha trazido um enorme poster que estava afixado na parede grande da sala.
Sempre que lá ia a casa enfrentava este poster, de que era impossível fugir. Era o poster de uma figura estranha. Um homem de cabelo branco comprido e encaracolado, com uma grande careca que mostrava a testa toda, e vestido de preto. Tinha um olhar perturbado. Parecia louco.
Eu pasmava em frente ao poster. Quem seria aquele homem ? Que faria ele, que teria feito ele, aquele louco sempre louco, para se pôr na sala de estar do meu tio tripeiro ? Que teria feito eu ? Acho que pensava que ele estava ali para me atormentar. Talvez para me lançar a mão se fizesse merda.
Quando se é puto estranhamos as pessoas que não são iguais às conhecidas e eu nunca tinha visto um homem de cabelo branco comprido e todo careca que não fosse louco ou vagabundo. E vestido de preto só podia ir para um enterro. O olhar amargo e que agora lhe digo sofrido compunham o ser louco daquela sala de estar.
Admirava-me ainda mais o meu tio ter um poster com a figura de um velho louco na sala de estar. E que estava ali para me atormentar. Isso era certo.
Nunca tive coragem de lhe perguntar, ou sequer aos meus pais, quem era aquele senhor da sala de estar de Carnaxide. Acho que tinha medo que a resposta confirmasse aquilo que pensava.
Depois ele desapareceu.
Só muitos anos mais tarde, quando comecei a interessar-me por música, é que voltei a saber dele. Devo tê-lo visto na televisão. E então quis saber-lhe o nome.
Na altura ouvir uma voz que cantava perda, solidão, dor de quem ama e que o dizia em francês, era diferente de tudo o que tinha na prateleira. Era estranho, outra vez.
Mas afinal o louco era um poeta. E compunha canções.
? Por onde andam hoje os poetas-trovadores da belle langue como se chamava ao francês e que tiveram em Brel e Ferré os seus expoentes maiores, que hoje, passados alguns anos, os que os sabíamos de cor, chegamos a confundir, no seu grito sincero e despido,quase transparente da angústia existencial que cantavam?
ResponderEliminarEu sei que a poesia não se traduz e que os poetas se escapam por entre as malhas do poema, mas pus-me a seguir o vídeo e fui, procurar o texto original completo. Depois, tentei a tradução. E há uma parte no poema que me deu mesmo a volta à cabeça e à análise sintáctica do texto:
"Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'a un' de ces gueules
A la Gal'rie j'Farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule".
Como o problema pode não ser apenas meu, aqui deixo o texto original bem como uma tentativa de tradução que me esforcei para que possa servir de algum auxílio ou de aguilhão a outro mais hábil,mesmo na tal parte mais encriptada:
Vulpes/Húli
Avec Le Temps Léo Ferré
ResponderEliminarAvec le temps
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le cœur quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'a un' de ces gueules
A la Gal'rie j'Farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre à qui l'on croyait, pour un rhume, pour un rien
L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
Devant quoi l'on s'trainait comme trainent les chiens
Avec le temps, va, tout va bien
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie les passions et l'on oublie les voix
Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
Ne rentre pas trop tard, surtout ne prend pas froid
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
Et l'on se sent floué par les années perdues
Alors vraiment
Avec le temps on n'aime plus.
Com o tempo Léo Ferré
Com o tempo...
Com o tempo, vai, tudo se vai,
Esquece-se a face e a voz
Se o coração deixar de bater, já não vale a pena ir
Procurar noutro sítio, melhor é deixar correr e está bem
Com o tempo...
Com o tempo, vai, tudo se vai
Aquele que se adorava e se procurava debaixo de chuva
Aquele que reconhecíamos por um simples olhar
Entre palavras, entre linhas, sob o disfarce
De um belo juramento que vai ter a sua noite
Com o tempo, tudo desaparece
Com o tempo
Com o tempo, vai, tudo se vai
Até as memórias inesquecíveis, como a daquela goela
Eu ao rebuscar na Galeria, entre os raios da morte
Num sábado à noite, em que a ternura anda só
Com o tempo…
Com o tempo, vai, tudo se vai
Aquele em que se acreditava numa constipação ou num nada,
Aquele a quem demos ânimo e presentes
Por quem teríamos vendido a alma a centavos
Por quem andámos com trela, como cães
Com o tempo, vai, tudo vai bem
Com o tempo
Com o tempo tudo, vai, tudo se vai
Esquecemos as paixões e até as vozes
Que diziam baixinho as palavras dos simples
Não venhas muito tarde e não apanhes frio
Com o tempo
Com o tempo, vai, tudo se vai
E sentimo-nos ficar tão brancos como um cavalo desfeito
E sentimo-nos enregelar numa cama casual
E talvez sozinhos,embora pacificados
E sentimo-nos roubados pelos anos perdidos
Então, realmente
Com o tempo já não se ama.
Vulpes/Húli
Avec Le Temps Léo Ferré
ResponderEliminarAvec le temps
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le cœur quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'a un' de ces gueules
A la Gal'rie j'Farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre à qui l'on croyait, pour un rhume, pour un rien
L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
Devant quoi l'on s'trainait comme trainent les chiens
Avec le temps, va, tout va bien
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie les passions et l'on oublie les voix
Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
Ne rentre pas trop tard, surtout ne prend pas froid
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
Et l'on se sent floué par les années perdues
Alors vraiment
Avec le temps on n'aime plus.
Com o tempo Léo Ferré
ResponderEliminarCom o tempo...
Com o tempo, vai, tudo se vai,
Esquece-se a face e a voz
Se o coração deixar de bater, já não vale a pena ir
Procurar noutro sítio, melhor é deixar correr e está bem
Com o tempo...
Com o tempo, vai, tudo se vai
Aquele que se adorava e se procurava debaixo de chuva
Aquele que reconhecíamos por um simples olhar
Entre palavras, entre linhas, sob o disfarce
De um belo juramento que vai ter a sua noite
Com o tempo, tudo desaparece
Com o tempo
Com o tempo, vai, tudo se vai
Até as memórias inesquecíveis, como a daquela goela
Eu ao rebuscar na Galeria, entre os raios da morte
Num sábado à noite, em que a ternura anda só
Com o tempo…
Com o tempo, vai, tudo se vai
Aquele em que se acreditava numa constipação ou num nada,
Aquele a quem demos ânimo e presentes
Por quem teríamos vendido a alma a centavos
Por quem andámos com trela, como cães
Com o tempo, vai, tudo vai bem
Com o tempo
Com o tempo tudo, vai, tudo se vai
Esquecemos as paixões e até as vozes
Que diziam baixinho as palavras dos simples
Não venhas muito tarde e não apanhes frio
Com o tempo
Com o tempo, vai, tudo se vai
E sentimo-nos ficar tão brancos como um cavalo desfeito
E sentimo-nos enregelar numa cama casual
E talvez sozinhos,embora pacificados
E sentimo-nos roubados pelos anos perdidos
Então, realmente
Com o tempo já não se ama.
(trad.Vulpes/Húli)