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quinta-feira, 12 de junho de 2025

Quarentões

Lembro-me bem. De 85 e de 86.  E do que nos diziam na escola. Do que passava nas televisões. Nas rádios. Dos GNR. Da alegria. Da esperança. 

Lembro-me da ânsia. De querer mesmo pertencer. À Zooropa

Também me lembro mais tarde. Dos inter-rails e viajar e ser livre. Como os Erasmus

Com crises pelo meio, como qualquer casamento. Das tristes   deseuropas

Mas continuámos e continuamos. E passado este tempo só posso dizer: Ainda bem !

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A Referência


"O Caminho faz-se Caminhando.", uma entrevista de 2007/2008 em reposição na RTP 3.
Que força e lucidez. E que saudades de ouvir este homem !

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

"O 25 de Novembro foi feito pelo Partido Socialista."


Sérgio Sousa Pinto, 'Primeira Pessoa', RTP / 20.11.2024

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Gratidão é pouco



Mário Soares (1924 - 2017)

Quando acompanhou o pai a um Rossio a deitar por fora de gente para assistir ao comício de encerramento das Presidenciais de 1986, ele já sabia quem era o Mário Soares. Tinha quase 9 anos e as conversas, por vezes acesas, nos jantares de sábado em casa dos Avós, sempre lhe tinham chamado a atenção para aquele nome sonoro, curto e térreo. Mário Soares, que o pai defendia sempre, quando um tio ou tia mais inflamados o acusavam disto ou daquilo. Mário Soares, o homem da Liberdade – isso era certo ! -, do lado certo da vida, como Olof Palme, Willy Brandt ou Mitterrand. Mário Soares, o nosso Marocas.
Já sabia quem ele era, embora pudesse saber ainda pouco do que ele tinha feito. De certeza que o pai já lhe tinha contado dos tempos da ditadura, do 25 de Abril, da chegada a Santa Apolónia, do discurso na Fonte Luminosa, talvez até já tivesse ouvido um bocado do debate com o Cunhal que o pai gravara numa velha cassete audio da BASF que lá andava por casa. Mas isso eram tudo histórias. O que ele sabia mesmo é que ele era “fixe”, e que o ia ver. Por isso, quando o Rui Veloso deixou o palco nesse último comício de 1986 depois de cantar a música da campanha, pediu ao pai para lhe subir para os ombros, enquanto levantava a bandeira com a rosa e as cores de Portugal que levara com a mana.
Depois ele falou. Não se lembrava do que ele tinha dito, mas do que se lembrava era da palavra vitória. Do que se lembrava era da emoção. Mário Soares para ele era emoção. Que seria maior quando, dois dias mais tarde, depois de ir com os pais à escola ver como se votava, e quando, já noite, tinham chegado alguns amigos a casa para seguir os resultados das eleições, todos se abraçavam que o Soares tinha ganho ! Esperaram os discursos, primeiro o de Freitas, a seguir o dele. Saíram então à rua, provavelmente no Renault 5, para se juntarem à enorme caravana, como só voltou a ver quando Portugal foi campeão europeu.

Continuou sempre a ouvi-lo. E a aprender. Como adorou aqueles anos em que só ele acusava o que mais ninguém atrevia ao primeiro-ministro ceroso e hirto que nesses anos governava Portugal....
E continuou a lê-lo e a admirá-lo. Na coragem e energia que imprimia ao que dizia. Um dia até se encontrou com ele. Nos anos da Católica, com Sampaio presidente, uma conferência. Bebeu-lhe as palavras. Mas o que lhe interessava mesmo era falar-lhe um pouco e mostrar-lhe o livro que andava a ler: “O Futuro será o Socialismo Democrático” (1979).
«Esse livro é muito antigo.... », comentou Soares. «Mas actual !», não pôde deixar de lhe retorquir. Pegou nele com um sorriso e dedicou-lho “com um abraço do Mário Soares”.
Continuou a segui-lo, sempre que intervinha, ora ao vivo, numa “réplica” do debate com Álvaro Cunhal, ou enquanto candidato ao Parlamento Europeu, para, finalmente, poder votar nele. Como votaria depois quando se voltou a candidatar à Presidência da República. Quando se acredita é assim.

Agora, que já recebeu a notícia que todos esperávamos mas que não queria que chegasse, foi a casa dos pais. Na rádio acabava de escutar a declaração de Mário Soares após as cenas da Marinha Grande. Emocionou-se. A força toda ali !
O pai já estava na rua, preparando-se para comprar cravos. Deu-lhe um abraço. Não sabendo se o confortava, se procurava consolo. Sentiu-lhe um soluço.
A mãe, querida, entrevistada para o site do JN em frente aos Jerónimos. Comovida.
É, mãe, «todos os portugueses devem sentir gratidão por ele» e «devem sentir uma grande falta».

domingo, 8 de janeiro de 2017

"Mário Soares deixou-nos e deixou-nos tudo"


«Mário Soares não levou nada com ele. Deixou tudo connosco. É essa a maior generosidade que uma pessoa pode ter: querer tudo para os outros e dedicar a vida a lutar por isso — e por nós.
Mário Soares não se importava que não gostassem dele. Ia em frente, achassem o que achassem. É essa a coragem maravilhosa que deixou: serviu de exemplo da liberdade mais importante de todas, que é a liberdade de sermos como somos e acreditarmos no que acreditamos.
Até ao fim da vida, Mário Soares exerceu essa liberdade da maneira mais desobediente, imprevisível e desconcertante. Falava alto quando queríamos que se calasse. Quanto mais queríamos que se calasse, mais alto falava.
Mário Soares foi um rebelde e um inconveniente. Era um grande erro tratá-lo com condescendência ou passar-lhe a mão pelo pêlo. Ele reagia com arrogância não só à arrogância como aos excessos de humildade. Não era nenhum santo, graças a Deus. E nunca nos deixava esquecer isso.
No final de cada batalha — a grande maioria das quais perdeu descaradamennte — Mário Soares parava para dar lugar aos vencedores, saudando-os de igual para igual, como se também tivessem perdido.
Pouco importava na estima dele. Mário Soares era uma pessoa profundamente civilizada e humana. Revia-se nas fraquezas que todos herdamos mas poucos reconhecem. Era mimado mas recusava-se a mimar. Respeitava os outros não porque os outros tinham alguma coisa de especial — mas porque não tinham. Eram seres humanos, cidadãos, compatriotas. E isso chega. Isso deveria sempre chegar se todos nós tivéssemos a ideia generosa de democracia que Mário Soares tinha, pôs em prática e deixou para que nos habituássemos a ela e fôssemos, por nossa vez, libertados por ela.
Mário Soares deixou a pessoa dele nas gerações de camaradas e opositores que ele directa ou indirectamente inspirou. Podemos não reconhecer essa dívida — tanto faz. A liberdade de cada um de nós não cai nem cresce por causa do mal ou do bem que pensamos dela. É essa a única liberdade valiosa: a que não depende da nossa aceitação; a que é independente da nossa vontade de exercê-la ou reprimi-la.
Pode-se dizer mal de Mário Soares, o mal que se quiser. Não há nada que ele não tivesse ouvido em vida — e verdadeiramente tolerado, não com sobranceira indiferença, mas com o respeito democrático que vem dar ao mesmo. Encolher os ombros faz parte da liberdade. Foi Mário Soares que nos ensinou isso, tanto quando ergueu o punho como quando encolheu os ombros.
Mário Soares era o político que era uma pessoa. Recusou-se sempre a ser um salvador ou uma figura acima da multidão. Ele era o político que era de um partido — o Partido Socialista — e com muita honra. Ele era um laico convicto, capaz de dar tudo pela liberdade religiosa de todos aqueles que têm religiões diferentes da grande maioria. Ele era um republicano honrado que sabia falar com monárquicos, que os monárquicos respeitavam por ter sempre consciência de que tudo depende
sempre do que sente cada um de nós e que as nossas crenças, nunca sólidas ou imutáveis, são tão nossas como a nossa humanidade.
É essa semelhança no que nos distingue que nos dá razão para acreditar na humanidade e em ideais tão antigos e modernos como a liberdade, a fraternidade, a justiça e o progresso económico, social e político.
Mário Soares era um revolucionário burguês. Os burgueses criticaram-no por ser revolucionário e os revolucionários criticaram-no por ser burguês. Era por isso que ele é tão refrescantemente moderno: ainda não nos aproximámos do que ele queria para nós.
Ele deu-nos o desconto, compreendeu a nossa volubilidade e a nossa desconfiança. Compreendeu a nossa tendência ora messiânica, ora depressiva. Nunca se iludiu acerca de nós. Aceitou-nos como nós somos, recusando sempre os papéis providenciais que alguns de nós quiseramos impor-lhe, de pai ou de profeta.
Mário Soares foi sempre intransigentemente humano. Ou seja: transigiu em tudo. Negociou, esperou para ver, mudou de opinião. Foi um político inteligentíssimo que nunca teve paciência para se armar em superior. Sempre soubemos quem ele era e ao que vinha. Paradoxalmente, acabou por se prejudicar mais do que estava disposto a fazer. Foi pena não ter estado mais tempo no poder. Mas o preço disso — fingir ser quem não era, achar-se melhor do que nós — era caro de mais para ele. E ele fez bem em não pagá-lo, por muito jeito que tivesse dado a Portugal.
No dia em que morreu Mário Soares saúdo a liberdade que nos deixou, que está connosco agora, ao ponto de eu poder escrever estas linhas sem sentir o mais pequeno constrangimento ou ter de ceder à mais sensata obrigação.
Ele quis — deu a vida política por isso — que falássemos à vontade e que fôssemos tratados como cidadãos, com respeito pelas nossas opiniões e a força do Estado atrás do nosso direito de exprimi-las e lutar por elas.
Ganhávamos muito em aprender com ele — não tanto o que ele nos disse e ensinou, mas a maneira livre e vaidosa, civilizada, egoísta e profundamente humana como ele viveu.
Perdemos uma grande pessoa. Mas aquilo que nos deixou — que só temos de não desperdiçar — é muitíssimo maior. E essa é a grandeza que Mário Soares teve: deixar-nos tudo. Nunca mais haverá um Mário Soares. Mas nunca ninguém nos deixou uma grandeza maior.»

por Miguel Esteves Cardoso, 'Público'

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Aguenta-te, Mário


"Há tanta gente a torcer por Mário Soares que até assim, na estranha mistura de apreensão, esperança e amizade, ele consegue juntar pessoas que doutro modo não se juntariam. O sempre excelente Eduardo Barroso teve a generosidade de partilhar, como médico e cidadão, algumas preocupações com a saúde do tio Mário, lembrando que os 92 anos dele “são 92 anos muito vividos”.
Na rua não se fala noutra coisa. Não ouço perguntar “acha que ele se safa?” Ouço sim, vez após vez, dizer “Deus queira que se safe”. Já vimos Mário Soares sair-se bem de tantas encrencas e azares que não podemos deixar de ser optimistas. Queremos que ele recupere e possa voltar com gosto à vida. Nunca me tinha sentido parte de uma ansiedade pública pela saúde de uma pessoa. É como se Mário Soares fosse da nossa família - e não só da família humana. Mesmo quem não o conhece sente que o conhece. Deve ser por isso que se mistura tanta preocupação com tanta boa vontade.
Pode não ser lógico nem realista o que sentimos mas o facto de ser sentido merece ser registado e saudado, por ser tão raro e, apesar de causar sofrimento, por ser comovente. Não se deve inteiramente à personalidade irresistível, fascinante e marota de Mário Soares. Ouço muitas pessoas a falar numa dívida, com essa mesma palavra: devemos-lhe a nossa liberdade. É uma dívida que nunca se consegue pagar. Pagamos com a nossa consciência dela e com a nossa gratidão. É essa liberdade que eu tomo para dar conta que estamos, mais uma vez, a contar com ele."

Miguel Esteves Cardoso, in 'Público', 14/12/2016

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

As Misses


Tenho uma relação afectiva com as eleições presidenciais. Foi o primeiro momento em que despertei para a política a sério. 1986.
Em casa ouvia falar. As Presidenciais. As primeiras sem militares, sem o esfíngico Eanes.
Colossos para pôr a cruzinha. Soares, Freitas, Zenha, Pintasilgo. Freitas mas pouco. 2ª volta. Segunda volta. Com sapos e tudo.
"Soares é fixe e o Freitas que se lixe !". Caravanas e bandeiras. Às cavalitas do meu pai no comício de encerramento no Rossio e o Rui Veloso no palco. Vitória. Porque a minha vitória é verdadeiramente grande se os adversários também o forem.

É por isso que dói ver ao que isto chegou. 10 candidatos, é certo. E isso até podia ser bom. Participação activa. Vontade (alguma, talvez). Mas.

O que custa é não mexerem connosco. Parece que só olhamos para eles e dizemos: "Gosto daquele. Dou-lhe um 9 e meio!", ou, como dizia o outro, "pior do que  com aquele que lá estava, não ficamos..."
Não despertam o debate. E depois observamos a distância a que esta relação chegou, que já nem é divórcio. É pura falta de comparência. 50% de abstenção, mesmo com os cadernos eleitorais cheios de pó e músicas de enterro. God damn it !

Porque se participava. Discutia-se muito. E eram Ideias. Política com nome próprio. E à noite, os amigos dos meus pais reuniam-se em nossa casa para assistirem às Eleições. Discutir mais. E viver esses dias com entusiasmo. Porque não eram, não eram definitivamente, concursos de Misses.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Acto de Primavera

(Margareth Madè)

MENSAGEM ENVIADA AO ENCONTRO DA AULA MAGNA
por José Pacheco Pereira


"Caro Presidente Mário Soares,

Não podendo estar presente nesta iniciativa, apoio o seu objectivo de contribuir para combater a “inevitabilidade” do empobrecimento em que nos querem colocar, matando a política e as suas escolhas, sem as quais não há democracia. Gostaria no entanto de, por seu intermédio, expressar com mais detalhe a minha posição.
A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto, explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a “direita”. E esqueceu também o que ele sempre repetiu: de que acima do partido e das suas circunstancias, está Portugal.
Não. Os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático, constitutivo de um partido que tem a dignidade humana, o valor do trabalho e a justiça social inscritos na sua génese, a partir de fontes como a doutrina social da Igreja, a tradição reformista da social-democracia europeia e o liberalismo político de homens como Herculano e Garrett. Os que o esquecem, esses é que são as más companhias que arrastam os parentes para a lama da vergonha e da injustiça.
Não me preocupam muito as classificações de direita ou de esquerda, nem sequer os problemas internos de “unidade” que a esquerda possa ter. Não é por isso que apoio esta iniciativa. O acantonamento de grupos, facções ou partidos, debaixo desta ou daquela velha bandeira, não contribui por si só para nos ajudar a sair desta situação. Há gente num e noutro espectro político, preocupada com as mesmas coisas, indignada pelas mesmas injustiças, incomodada pelas desigualdades de sacrifícios, com a mesma cidadania activa e o mesmo sentido de decência que é o que mais falta nos dias de hoje.
A política, a política em nome da cidadania, do bom governo, e da melhoria social, é que é decisiva. O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.
Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado, como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do "ajustamento" do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O "ajustamento" é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente "os de baixo", poupando a elite político-financeira, atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, "flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.
Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver "acima das suas posses", numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.
Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.
O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.
Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta."

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Humilhação pública (ainda A Visita)




"(...) Não haverá quaisquer contactos porque estará sempre rodeada de dezenas de seguranças, com navios de guerra no Tejo vigilantes e o céu sem aviões, mesmo de carreira, não vá o diabo tecê-las. Haverá polícias especializados e guardas-republicanos mobilizados e as ruas por onde passar estarão fechadas ao público. Há helicópteros a espiar a terra, o mar e o céu. Nunca nenhuma das muitas centenas de presidentes e primeiros-ministros que nos têm visitado, nos últimos anos, foram sujeitos a semelhante humilhação. Porque é de uma humilhação que se trata.(...)"

Mário Soares, 'Diário de Notícias' - 13.11.12


NB: 'Tesos' é a palavra que a imagem não apanhou, e que está pintada no mural da Av. Infante Dom Henrique, em Lisboa, a seguir a 'ESTE BEIJO DEIXA-NOS' (imagem de cima).

Adenda:
Não ia fazer um post sobre a Visita de Angela Merkel a Portugal. Acho sinceramente que o que a Visita merecia era ser ignorada. Olimpicamente.

Foi o que a maioria dos portugueses fez, com excepção das escassíssimas centenas que se deslocaram a Belém para vaiar, empunhando cartazes de Merkel=Hitler (?!).
Esta insignificância não teve nada que ver com as dezenas de milhar de manifestantes que saíram à rua em todo o país no 15 de Setembro, ou com os milhares que se reuniram em vigília à frente do Palácio de Belém no dia do Conselho de Estado, seis dias depois.

Acho que os portugueses, com enorme sabedoria, quiserem ignorar a Senhora.
E só porque

a) o Governo tem medo/vergonha das vaias, e
b) a imprensa é sanguinária 

é que foi montado todo este triste espectáculo.
Não fossem estas duas acções combinadas e provavelmente ninguém daria pela Visita.
Quando Merkel foi à Grécia, houve verdadeiros tumultos. Aqui nada disso aconteceu. Os cartazes e vaias anti-Merkel não são representativos de coisa nenhuma.
OS PORTUGUESES QUISERAM IGNORAR MERKEL !

O que é grave foi o circo mediático montado à volta da Visita, a começar, obviamente, no Governo.
É aqui que entra Mário Soares: este Governo (que entra pelas traseiras, que se reúne à porta fechada) tem tanto medo do povo que acaba a fugir com Angela Merkel, escoltada como se fosse um árbitro de futebol depois de um Porto-Benfica.
Coisa que não escapou aos principais jornais alemães que fizeram títulos dizendo: “Merkel recebida em fortaleza”. E era precisa esta operação anti-terrorismo ? Claro que não !
Mas foi o que aconteceu.
E isto é que é preciso perceber.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

1986

Cada um terá o seu, suponho.
O meu é 1986. O ano acordado. De aparecer consciência para além de mim.
Um puto de 8 anos no '85 a terminar que deixa a miudagem lá em casa. Ui, isto agora já é a sério. 8 anos. Agora é sério.
E começa 1986.
A partir daí havia mundo e a vida não era só as skatadas nas Arcadas e arreliar a mulher da "Chamade".
Não era pegar nas biclas e fugir do bairro com os melhores amigos do mundo.
Não era o Spectrum ou a Playboy comprada na Espanhola. Dividida por todos. 
Não eram as bombas de mau cheiro atiradas para dentro da perfumaria ou os balões de água rebentados por onde desse. Ou bolas a estoirar nas marquises dos vizinhos.
Muito menos ter que fazer os TPC's que as professoras punham no quadro e depois reclamavam.
Por culpa de coisas novas que o mundo aparecia.

Em casa ouvia política. As Presidenciais. As primeiras sem militares, sem a cara esfíngica de Eanes. Colossos. Soares, Freitas, Zenha, Pintasilgo. Quase Freitas. 2ª volta. Engolem-se os sapos.
"Soares é fixe e o Freitas que se lixe !". Caravanas e bandeiras. Pendurado nas costas do meu pai no comício do Rossio e Rui Veloso a cantar. Vitória.
Ah,.... e "Portugal, na C.E.E. !"

Depois, o desastre do Challenger. O vaivém da Nasa que seguia para a Lua com 7 astronautas. Uma professora. Acho que o vi em directo. Talvez não, mas foi igual, como se todos ali navegássemos também. Sobe e explode. Todos desintegrados na atmosfera.

Em Abril rebentava Chernobyl. Radiação. Pânico geral. Relatos do desastre, fotografias impressionantes no "Paris Match" que estava na sala. A nuvem que aproximava. E o vento dos Açores que a varre embora.

O último Mundial de futebol. México 86. Cromos na escola. Portugal depois de 20 anos fora. Carlos Manuel a meter um golo aos ingleses. Passe do Diamantino. Bento parte a perna. Vem o Damas. Saltillo e os jogadores de chinelos em greve de esforço. Derrotas e fora. À portuguesa. Futre é pena e não joga.
Maradona. Magia. Fintar todos. A mão de Deus. Gambettas. O segundo golo à Inglaterra e passa por todos.
E terminar como não podia mais poeticamente. Com o golo de Burruchaga aos alemães a estender Schumacher no relvado. No final do jogo. 3-2. Argentina campeã do Mundo.

Há 25 anos.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Inverno do meu (nosso) Descontentamento


Líderes dos principais partidos portugueses em 1980

PS - Mário Soares
PPD - Francisco Sá Carneiro
PCP - Álvaro Cunhal
CDS - Diogo Freitas do Amaral

Líderes dos principais partidos portugueses em 2011

PS - José Sócrates
PSD - Pedro Passos Coelho
PCP - Jerónimo de Sousa
CDS/PP - Paulo Portas

Candidatos à PR em 1986

Mário Soares
Diogo Freitas do Amaral
Francisco Salgado Zenha
Maria de Lurdes Pintasilgo

Candidatos à PR em 2011

Aníbal Cavaco Silva
Manuel Alegre
Fernando Nobre
Francisco Lopes
Defensor de Moura
José Manuel Coelho


Estamos no fim da mais infeliz campanha para as presidenciais. Nunca (acho) uma campanha foi tão ausente e desmobilizadora como esta. Lembro-me de mim miúdo, às cavalitas do meu pai para ver Mário Soares num dos últimos comícios de 86 realizado no Rossio. Estava cheio de gente e eu não via nada.
Hoje as coisas mudaram. Para pior. Em 30 anos, as coisas mudaram. Mário Soares, no optimismo que o caracteriza de quem acredita sempre no futuro, diz que "os políticos são como os vinhos. Há épocas boas e épocas más."
Eu olho e procuro. Alguma coisa. Uma causa, um valor. Uma ideia.
Vejo  a infinita pobreza de um Candidato-Presidente, dono de 3001 esgares quando se lhe dirige uma pergunta, mas que insiste nas suas qualidades de homem honesto, sério e competente, que sabe como funcionam os mercados e que não é politico (há já 30 anos !), embora seja responsável pelo caso mais grave de sabotagem política de um governo de que há memória desde que somos livres, que teima que Portugal precisa de estabilidade e tranquilidade (só para assustar), e que deixa que envergonhem o país e não solte nem um ai ! na cadeira.
Vejo candidatos inflamados que se tomam por Kennedy ou Luther King (que citam abundantemente) dizerem "Dêem-me um tiro na cabeça, que só com um tiro é que não vou para Belém !", e que nos fazem questionar os malefícios da malária. Vejo também que a Madeira nos mandou alguém que (só pode) procura divertir. E outros candidatos que, verdadeiramente, não existem.
Não sei se Manuel Alegre será a pessoa certa para o cargo e como eu gostava que o fosse. É quem é. Também o conhecemos. Tem qualidades humanas e culturais. Tem a poesia do seu lado e (acredito) coragem para sacudir a modorra.
O que é dramático é a incapacidade total desta gente toda de conquistar um povo. De chamar ao debate. É a distância a que esta relação chegou, que já nem é divórcio. É de ignorar. É ausência.
Onde é que estão pessoas com a coragem, frontalidade e coerência de Sá Carneiro ? Com a estrutura intelectual de Freitas do Amaral ou o calibre moral de Salgado Zenha ? E o arrojo político de Pintasilgo ? 
Que todos se tenham candidatado e, mesmo com os sapos de Cunhal, Soares tenha vencido. Porque a minha vitória sai verdadeiramente engrandecida consoante os adversários que tenho.
Porque se via alguma coisa. Discutia-se muito. Ideias. Falava-se do concreto. A política valia a pena. Não se tratava de meros desfiles e "arruadas". E à noite, os amigos dos meus pais reuniam-se em nossa casa para assistir às eleições. Discutir mais um pouco. E viver com entusiasmo esses dias. De comunidade.
Hoje, é pena, mas duvido que Alegre consiga levar tudo para uma 2ª volta. De que Portugal e os portugueses precisavam. Para se voltar a acreditar. Que é possível.
No dia 1 de Maio de 2002, estava em Paris, entre a primeira e a segunda volta das eleições presidenciais francesas. Chirac tinha tido 19% e Le Pen uns perigosíssimos 17%. França temeu o pior. As pessoas organizaram-se, juntaram-se, mobilizaram-se. Fizeram manifestações gigantescas e gritavam coisas como "Il faut lui barrer la route!". Nesse 1º de Maio que vivi como se assistisse a um 25 de Abril, quase sufoquei entre a Pl. de la Republique e a Bastilha, que a gente cobria a rua. Mas foi lindo e um momento histórico. As pessoas unidas. Foi a França toda em peso contra o extremismo chamado Le Pen, e Chirac venceu.
Sinto que nos pode acontecer o mesmo. Só não sei quem ganhará então. Os extremistas alimentam-se do marasmo e da letargia de quem dá a Democracia por certa.