O Sahara, finalmente. Ocidental. A 2 kms da fronteira com a Argélia.
Chegámos num Land Rover branco. Como não cabíamos todos lá dentro, dois foram em cima do tejadilho e um em cima do capot, eu.
O sol parecia não querer deixar-nos. Pendurado no céu, teimava em não baixar. A luz, tranquila, suave. Depois, as sombras. Areia quente. Areia mole. Boa. Primeiro subi ao cimo de uma duna e deixei-me divagar, entregue àquele mundo. Depois espojei-me na areia. Há poucas coisas que me dêem mais prazer na vida que sentir a areia morna no corpo. E espreguiçar-me. Intensamente. Quase adormecer.
Tínhamos deixado tudo em M’Hamid. As mochilas, a carrinha, o pouco que tínhamos levado connosco.
O conforto no deserto é estar despojado. Deixar as coisas para trás. Tudo o que se puder. Tudo. O passado, a ordem, a cidade, o que temos. Tudo. As paixões, o dever, a segurança, o medo. Os papéis, quem somos. Ser livre. Totalmente. Ali éramos só nós. Mas esteve cada um para seu lado, cada um a querer saber onde estava. A viver o seu deserto. Ninguém falava. Olhava tudo. Nada. Tudo. Paz.
São 7h05 da manhã. Acabo de me levantar.
Passámos a noite, a melhor da minha vida!, numa bivouac, uma enorme tenda, feita com estacas e uma pesada e longa coberta feita com tecidos fiados de pelo de camelo. No chão, tapetes nómadas e uns colchõezecos.
Acordei com o frio vento da manhã a soprar no meu cabelo e a gelar-me o nariz.
Ainda bem ! Pude, então, perceber a palavra deserto. Somos vida, inteira e importante, achamos que podemos fazer um verso, mas como dói toda a completa insignificância ! De estar ali e o universo dizer-nos que não. Olhamos, e somos menos que um grão de areia.
Para aquecer, à noite, fizemos uma fogueira e eles aproveitaram-na para forno para o pão. Pegaram em massa, enterraram-na na areia e cobriram-na com as brasas. Passado uma hora, tínhamos pão. Soube a deserto.
No acampamento, enquanto os outros tratavam da tajine para o jantar, e atiçavam o lume, o mais novo do grupo deles, Sahid, cantava para afastar o profundo silêncio daquela noite. É magnífico! Ouve-se tudo. Sente-se tudo. Escuto uns risos em árabe (que os risos também têm língua!) e umas orações de alguém no cimo de outra duna. Agradece a Alá e o que teve nesse dia. Dedica-se a ele.
Sahid continuava. Com uma força que eu julgava não ser possível. Havia uma diferença naquele canto que eu não conhecia e, por isso, escutei-o bem. Ele não cantava alto. Não berrava, nem gritava. A força não vinha da garganta. Vinha do fundo. Do fundo do rapaz. De tudo o que ele era. Agradeci a Deus ter nascido e o milagre que é a vida.
São 7h05 da manhã e o Sahid veio-me trazer um copito pouco apurado de café, “Bonjour, ami!”. Era o pequeno-almoço e eles já selavam os dromedários que nos levariam de volta.
Olhei para o céu uma última vez. Profundo como o silêncio. Já tenho barba de 4 dias e o sol às 8 começa a apertar. Tínhamos que ir.
À noite contávamos entrar em Marrakesh e ia ser demorado. Estávamos no sul.
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