E Marrakesh !, a cidade com que todos sonhávamos. A cidade da alegria, como alguém lhe chamou. A cidade que nos deixa cativos.
Foram precisas onze horas para fazer os 450 kms que nos separavam de Marrakesh. Quando saímos de M’Hamid achámos que, naquele dia, a distância não seria um problema. E não foi, realmente. Como viemos sempre a rodar ao volante, não deu para cansar. Já estavamos numa fase em que delegávamos o cansaço naquele que ia a conduzir e no co-piloto de apoio. A responsabilidade era deles. Todos os que seguiam atrás aproveitavam o tempo da viagem como podiam, conversando, dormitando ou fumando alguma coisa.
Antes de chegarmos a Zagora, a primeira cidade depois de apanharmos o trilho que no passado era a rota para as caravanas de camelos dos tuaregues, deparámo-nos com a estonteante visão do glorioso oásis do Vale do Dráa.
Tudo o que cerca o Dráa é deserto, árido e absolutamente desprovido de vida. Montanhas cor tijolo sob um sol inclemente. Tudo seco. Tudo pedra. Tudo rocha. Mas, bem no meio do Vale, um intenso e fulminante verde palmeiral enche de calma a região. De repente, sentimo-nos seguros e tranquilos. Não é ali que vamos morrer.
Conduzi entre Zagora, onde parámos para abastecer, e a assombrosa Ait-Benhaddou, dona da mais bela kasbah de Marrocos e que a todos deixa calados de espanto. Grandiosa na suas muralhas de terra que coroam a colina e classificada como Património da Humanidade. Lembro ao João Tiago que foi ali que se filmou o “Lawrence da Arábia”. O Ordep louco pelas fotografias que ia tirando.
Percorremos em silêncio o seu interior. Sentimo-nos como na Idade Média. É o ano 1421 da Hégira. Uns vendedores de cerâmica, ao verem a Sara, oferecem-nos mil camelos por ela. Delicadamente, recusámos.
Prosseguimos viagem até chegarmos a Marrakesh.
Estava um sol fortíssimo no terraço do Hotel Foucauld, o primeiro em que nos instalámos. Tomei um duche fantástico e retemperador. Desde Fés que não lavava o corpo integralmente. Estava ansioso por me perder nos souks labirínticos da medina avermelhada que vão dar à Jemaa el-Fna, a praça mais bonita que há no mundo. A praça que foi a praça dos executados.
São um povo alegre. Os sorrisos rasgados, que exibem dentes amarelos e doentes, apaixonam. Mas como também nos perseguem, a todos os que são estrangeiros, e aos dirhams que levamos no bolso, é preciso saber lidar com isso, ouvi-los ou afastá-los. E tem de se aprender rapidamente quando vale a pena regatear, porque, uma vez naquele jogo, é muito difícil sair. E temos de estar preparados para perder. Tem que se ser firme quando se diz não e nunca voltar atrás, mesmo que se perca o negócio. Mostrar-lhes a cara, falar-lhes com a cara e, se possível, os dentes.
Por outro lado, nunca uma cidade caótica me pareceu tão ordenada. Tudo circula e pedala. Tudo, sem atropelos.
Caiu a noite e fomos para o centro da praça onde já estavam montadas várias dezenas de longas mesas que a preenchiam. Prontas para servirem para o chá e doses maciças de tajines e kebabs. Vêem-se charlatões e vendilhões, encantadores de serpentes, malabaristas e outros artistas.
Um miudito aproxima-se de nós para trocar umas pulseirinhas de fio por umas moedas. Dizia que tinha fome. A Sara comove-se e encosta-se ao ombro do Ordep. O rapaz, talvez não percebendo a razão daquela súbita tristeza, foi chamar o Afonso que, inspirado pelo que via, fazia também um espectáculo de malabarismo com umas garrafitas em plena Jemaa el-Fna. Queria que ele alegrasse a Sara. Conseguiu.
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