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sábado, 2 de agosto de 2025

Rumo à Sildávia *


'O Ceptro de Ottokar'

* isto é, à Albânia e Montenegro.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Mariupol

 

Is there a time for keeping your distance?
A time to turn your eyes away?
Is there a time for keeping your head down?
For getting on with your day?

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Sarajevo não foi só Sarajevo

"Gorazde, Zona de Segurança", de Joe Sacco




quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Fax de Sarajevo


Às vezes é preciso lembrar que à beira do século XXI houve uma guerra em plena Europa que quase acabou com um povo e uma nação. Uma guerra onde morreram centenas de milhar de pessoas. Civis. Pessoas como nós. Crianças, muitas, alvos predilectos dos snipers genocidas que ganhavam por cabeça.
"Faz de Sarajevo" descreve a história de Ervin Rustemagić e da sua família durante o cerco que, entre 92 e 96, as tropas militares e para-militares sérvias de Milosevic, o carniceiro dos Balcãs, fizeram à cidade. Limpeza étnica.
Isolado e sem quase poder sair à rua, Ervin (amigo do autor Joe Kubert) dispunha apenas de um fax para contactar com o exterior e relatar as atrocidades que todos os dias eram cometidas naquele pedaço de Bósnia, por entre o rebentamento de obuses, tiros e granadas, e enquanto o resto do mundo assistia pela televisão a mais uma tentativa de extermínio. 

Três anos depois da guerra estive em Sarajevo. Já aqui contei. De como encontrámos a cidade. Semi-destruída. De olharmos para o edifício do Parlamento estilhaçado e rebentado pelos morteiros. E do "Holiday Inn", onde Ervin, a mulher e os filhos acabaram por conseguir se refugiar, quando perderam a casa. De como tropeçávamos em parques convertidos em cemitérios. E da estação de comboios, deserta e a abandonada. 
Às vezes é preciso lembrar que à beirinha do século XXI houve uma guerra em plena Europa. 
"Is there a time for human rights ?"


quinta-feira, 21 de abril de 2016

'The Wheel', by PJ Harvey




"Making the film for 'The Wheel' involved a mix of footage from the first trip in 2011, rehearsals I shot of Polly in London and the most recent trip to Kosovo. The enormous refugee crisis in Europe had been news for months. I spent some time on the Greek and Macedonian borders, and in Serbia, before traveling into Kosovo. It was happening in and through territories associated with recent conflicts in Kosovo and the wider Balkans. The idea of cycles, wheels and repetition once again being all too apparent and necessary to make.”
Seamus Murphy, foto-jornalista e realizador

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

viagem a preto e branco

O caminho para Oswiecim é bonito.
A expectativa indizível. Num quase-medo.
1999. Estamos no 14º dia do inter-rail. É Setembro e daqui a um mês começam as aulas. Se tudo correr bem será o último ano na Faculdade. Como sempre juntamo-nos em Santa Apolónia.
Para trás ficam os pais, irmãos e namoradas. Também já deixámos a Itália, Dubrovnik, Sarajevo (!), Zagreb e Budapeste.
Quando começámos a preparar o trajecto da viagem, desenhada para se enfiar nos Balcãs, serpentear nos países de Leste e longificar nos Bálticos, marcámos logo Auschwitz, o nome alemão da cidade de Oswiecim. A nossa jovem consciência da História mandava que Cracóvia (onde íamos pernoitar) passasse também pelo conhecimento do mal. 
De Cracóvia a Auschwitz é uma hora e quarenta de comboio.
O caminho é bonito. Atravessamos uma paisagem de álamos, pinheiros e campos de bétulas que cercam alguns lagos. Aprendo que "Birkenau" quer dizer floresta de bétulas. As aves migratórias já se dirigem para o Sul e reparo nas minas de carvão.
Escolhi fazer os últimos dois quilómetros que separam a estação e o maior campo de extermínio nazi, trilhando o percurso marcado pelos velhos e enferrujados carris da antiga linha que transportava os prisioneiros rumo a Birkenau. Quis seguir no meio, como os vagões. Procurar o derradeiro sentido. Onde agora nascem ervas e flores.

Há alguns turistas. Sobretudo malta nova. Mas só se ouve o ambiente. O vento que sopra entre as folhas das árvores e os nossos passos.
Toda a gente sabe onde é que vai. A simples aproximação é impossível com ruído.
Ao fim de vinte, trinta minutos: "Arbeit Macht Frei", que ainda sobrevive no portão. Ninguém se prepara para um impacto assim. A esperança defunta de ironia.
Caminhamos um bocado. Olhando para o espaço e para inúmeros barracões em tijolo. Todos metodicamente organizados. Em blocos. E ruas.
Não falamos uns com os outros, mas todos pensamos no mesmo. No insuportável peso deste lugar. Ali a morte ainda respira. Está calor, mas não parece. Vemos a cores, mas cheira a cinza. 
Passado algum tempo, o Alberty e o Renato decidem voltar para Cracóvia. Eu, o João Tiago e o Ordep continuamos.
Precisávamos de mais tempo. Acho que esperávamos que o silêncio falasse.
Não percebíamos. Porque as perguntas, por muito que já se tenha lido e escrito, acabam sempre sem resposta.
Entramos nalguns dos barracões. Reuniram todo o tipo de objectos pessoais que os guardas retiravam logo a quem chegava. Milhares de malas, sapatos, óculos, escovas de dentes, armações dentárias, pentes, o cabelo. O cabelo, meu Deus, com que estofavam colchões. 
Percorremos as listas de prisioneiros. Os retratos. Tantos, tantos não-anónimos. As datas de entrada e do decesso. Tudo meticulosamente registado. Leio alguns nomes. De crianças sobretudo. Cristo ! 
Noutro lado, os gabinetes de Mengele. Frascos de vidro com fetos conservados em formol. Catalogados. Crânios serrados ao meio para experimentação. Catalogados. Explicações sobre o que fazia aos que eram gémeos. Solução final. Zyklon B. Prateleiras e prateleiras.
Saímos para respirar um pouco.
Depois andamos um bocado mais e sentamo-nos não me lembro bem aonde. Temos de parar. 
É quando reparamos numa chaminé. Como de uma fábrica. Entramos noutros barracões. Os fornos crematórios.
Mordemos os lábios. Calamos ainda pior. Não desviamos os olhos. Parece que se lembram.
A película a preto e branco que o Ordep trouxe de Lisboa faz o resto. Peço-lhe a máquina para as mãos e faço uma fotografia.
Leio o que um sobrevivente, Tadeusz Sobolewicz, diz sobre a arbitrariedade da vida no campo. Qualquer um dos que morreram podia ter sobrevivido, assim como ele podia estar entre os que morreram.
A noite começa a cair e decidimos voltar à vida. Apanhamos o comboio de regresso para virmos ter com os outros. Estão à nossa espera num bar qualquer com umas cervejas na mesa. Precisávamos. Acho que nunca tanto.
Não me recordo se alguém pronunciou palavra no caminho de volta.



[foto: andré]

Nunca tinha escrito sobre este dia, e foi difícil. Os 70 anos da libertação do horror têm obviamente a ver com isto.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

regresso ao passado em Sarajevo


«In "The Fixer and Other Stories", cartoonist and journalist Joe Sacco recounts his experiences at the end of the brutal Bosnian War. In the lead story, Sacco introduces Neven, a charismatic man who makes a shady living for cash, cigarrettes, food or alcohol by leading reporters through Bosnia's war-torn landscape. Sacco crossed paths with disparate figures from the Balkan conflict, from Rodovan Karadzic, the notorious war criminal, to Soba, a young Sarajevan struggling to recover from the trauma of war and renew his creative ambitions.»


Fui a Sarajevo em Setembro de 99 com mais quatro amigos num inter-rail. 15 anos... parece mentira.
Para chegar a Sarajevo, vindos de Dubrovnik, foi porém preciso apanhar uma camioneta, porque os comboios tinham deixado de existir. Pagámos 25 marcos porque já não tínhamos kunas e seguimos.
Pelo caminho, tanques da SFOR patrulhando a zona, cemitérios e o estuque das casas recheado do calibre das balas. Acompanhados sempre pelo percurso sinuoso do rio Neretva, enfim Sarajevo.
A antiga estação de comboios lá estava, estilhaçada e abandonada, pendurando ainda o painel teimoso das últimas partidas e chegadas. 
Apanhámos então um ruidoso eléctrico até ao pequeno centro, único reduto que sobreviveu às armas sérvias.
Jipes das Nações Unidas e mais prédios esventrados completavam as ruas. Gente fantasma que se recusa a falar da guerra. O muro defensivo que construíram impede-os para não se desfazerem em raiva ou comoção. 
Nem me lembro bem do que comemos, porque a última imagem que me ficou foi a do contraste entre a antiga sede do parlamento, ainda de pé, mas desoladoramente arruinada, com a marca profunda do morteiro que a matou, bem no meio do peito, e o "Holiday Inn", amarelo berrante, impecável por fora, a provocar a velha e derrotada Assembleia. Na altura, a violência da cena impressionou-me.
Contudo, como que compensando tudo isto, a beleza do baixar do sol por detrás das verdes colinas que cercam Sarajevo, deu-me logo esperança em ver os Balcãs ressuscitarem.
Eram 6 e 45 da manhã quando depois chegámos a Zagreb.


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Quando é que vamos apanhar uma onda ?

O 5º ano da Faculdade foi o melhor ano. É o que digo quando me perguntam.
Tinhamos acabado de regressar com a rapaziada de mais um inter-rail que cercou o continente. E se há um com que se deve terminar uma aventura era este, mesmo que houvesse promessas de um dia voltar ou, depois, ainda tivesse ido de comboio com uma namorada por uma europa mais Europa.
Um mês inteirinho e chupadinho. Como um albergue espanhol do princípio ao fim de entra e sai tudo. De Croácia e dos dias que começavam cedo nos bares de Dubrovnik.
De Sarajevo e da "sarajevsko pivo" e uma viagem tenebrosa de autocarro até Zagreb que não foi traição, apenas a única maneira, que os comboios estavam desactivados. O Leste, os muros de Auschwitz e o rolo a preto e branco que quase chorava, os países do Norte, Tallin do outro lado do mar, e Amesterdão claro que Amesterdão, até Paris, sem dormir, que não havia tempo para isso, pendurados nos suportes que são para as malas a ouvir sabe-se lá que música em sabe-se lá que mundo.
Tínhamos acabado de regressar do melhor inter-rail daquelas vidas e era preciso acabar o que se tinha começado: o curso, já na posição de seniores que não tinham  tempo para mais aulas, nem se assustavam com a ameaça dos exames finais. Preciso aproveitar o fim. O fim. Que nos fugia como areia por entre os dedos. E, portanto, ir para o Bairro. E, portanto, uma viagem ao Rio de Janeiro, outra a Marrocos (contada aqui há tempos), a seguir ao exame de Processo Penal com os códigos no banco de trás, e piões da velha 505 a chiar no parque da Católica.  E muito mais do que isso.
Sacudirmos do corpo as aulas teóricas para ir para os pontões da Caparica apanhar umas ondas, umas vezes no meu Nissan que era o vosso "mata-esquilos", outras no Fiat Uno cinzento que acabou espatifado e de patas para o ar.
E chorar as nossas mágoas só porque uma miúda já não quer nada connosco, enquanto o bico das pranchas tocava leve na cama do mar. Gostar para sempre desse som.

Nessa altura, brothers, mesmo com o mar gelado, era quase sempre esta a banda-sonora que nos levava para lá.


Foda-se, estou certo ou errado ?

sábado, 10 de abril de 2010

No Sud-Express

Partíamos, invariavelmente, da estação de Santa Apolónia. O destino era o resto da Europa. A preparação começava meses antes em casa uns dos outros onde traçávamos um esboço de um primeiro plano da viagem. Cada um tentava puxar para o seu lado do mapa.




Chegávamos à estação em cima da hora. Não havia check-in. Na estação, os pais, irmãos e namoradas vinham despedir-se. Íamos estar um mês fora e by our own. Era o tempo das férias grandes e tínhamos 17 ou 20 anos.



À hora certa, sempre às 17h45m, o chefe da estação fazia soar o apito. Nos altifalantes anunciava-se o destino. O comboio soltava os seus primeiros movimentos e largava os vapores do motor. Pegávamos nas mochilas - carregadas até ao limite -, dávamos um último beijo e entrávamos no Sud-Express, o comboio do Sul da Europa, o mais romântico dos comboios do Sul.
Escolhíamos um compartimento jeitoso, que desse para cinco ou seis, e instalávamo-nos. Rapidamente alguém sugeria uma volta ao comboio. Podia ser que encontrássemos a companhia de umas miúdas simpáticas ou simplesmente… boas. Em grande excitação dirigíamo-nos para o bar. Pedíamos umas cervejas e começávamos a falar com malta como nós: alemães, espanhóis ou italianos. O destino era Espanha. Tinha que ser Espanha. Madrid ou San Sebastian, dependendo do trajecto ser para o Leste ou mais para Norte. A primeira noite era sempre eléctrica. Normalmente não pregava olho. A partir daí, o cansaço não permitiria noites em branco. A meio da noite, numa estação estranha e sem referências, fazíamos umas sopas instantâneas na panelinha que levávamos ou partilhávamos uma erva tranquilos.
Chegar a uma estação no dia seguinte é uma sensação única. Já não se fala português e sentíamos que tínhamos cumprido a primeira etapa. Definíamos rapidamente se nos interessava ficar aí um dia ou se seguíamos a rota. Normalmente não perdíamos tempo. Queríamos pôr-nos a milhas o mais depressa possível. Espanha e Itália são países magníficos, mas queríamos mais. Recordo especialmente nos balcãs Dubrovnik e uma viagem complicada a Sarajevo. Por baixo das pontes ainda de pé, o rio Neretva. Budapeste era a capital europeia do sexo. Na Polónia, as miúdas abriam-se ao ocidente. Em Santorini e Ios aprendemos o significado da expressão “festa nas ilhas gregas”. Certa vez, chegámos aos países da Escandinávia. A seguir viriam Helsínquia e a báltica Tallin, onde a cada dia que passava a temperatura baixava um grau e onde os finlandeses se abasteciam de bebidas alcoólicas. Que pena São Petersuburgo… Mais para baixo, já de regresso, Amesterdão apresentava-se com a sua cultura própria e os magic mushrooms. As histórias eram imensas. O som das partidas, insuperável. Comíamos mal (às vezes apenas o molho de uns enlatados) e dormíamos pouco. A Lisboa chegávamos sempre mais magros. Mas tínhamos histórias. Histórias que nos valeram, muitas vezes, um beijo de uma rapariga. Histórias que hoje, todos mais velhos, alguns casados, recordamos com a saudade dos bons amigos.



Este texto é uma homenagem ao Sud-Express, aos comboios, mas sobretudo a todos os meus companheiros de viagem com quem tive a honra de viver os inter-rails da minha vida.

O Brilhante Navegador*

Há uma invenção muito querida. Muito útil, simpática e necessária.



Talvez por já não sabermos às quantas andamos venderam-nos o GPS (Geo...(porra?)... System). Venderam-nos não, porra ! A mim não. Nunca o comprei. Nem quero.



O GPS é porreiro. É porreirinho. É ridículo.



É um quadradinho giro, com um ecrã de muitas cores, linhas e bolinhas. É móvel e é moderno.



Instala-se no carro, num aplique bonitinho, pede uma senha e... zás: estamos na morada certa. Tudo se localiza, tudo é localizável, tudo é traçável, tudo se sabe, tudo se encontra. É um satélite. É bestial !



Fala, diz onde estão os radares da polícia, dá notícias e, desconfio, até deve dar música. Bestial !

O GPS é uma invenção impecável, porque dantes não se encontrava nada. Um gajo queria ir daqui para o Porto e népias. Um gajo queria saber onde era a casa nova de um amigo ou um bar recém aberto e nunca lá chegava. Era tudo anónimo. Tudo um gigantesco segredo. Não havia mapas, setas, direcções e muito menos o boca-a-boca. Não havia raparigas bonitas, nem conversas que começavam por aí. Não havia perguntas a um grego que responde em grego o caminho para a praia de Manganari. E percebemos !
E, portanto, não havia Roma. Quanto mais a surda da Islândia. Se um gajo se metesse numa aventura dessas, o mais certo era acabar dentro de um vulcão e ser cuspido quando ele quisesse.



O que tem piada é que eu nunca me perdi.



O que tem piada é que quando eu e um amigo atravessámos o deserto de Spregisandur, que fica entre dois glaciares, percebemos o sentido da rota. Se estávamos no Norte, tinhamos que ir para Sul. Onde é que o Sul ? Para baixo, claro !
O que tem piada é que já dei muitas voltas e dei sempre com a casa. Não deixo de me espantar com isto, mas é verdade.
Quando fui a Sarajevo não havia comboios, (quase) não havia estradas, o chefe que conduzia o autocarro parava de meia em meia hora para meter mais um whisky no bucho, e mesmo assim aparecemos em Zagreb.
Em Amesterdão, e entregues ao violento space cake do “Jolly Joker” (era ?), encontrámos a saída.
Também estivemos no Sahara e, que me lembre, os camelos só tinham bossas.
E em Havana, Cienfuegos ou Trinidad os GPS’s são como charutos. Todos têm um.

O que tem piada é que eu nunca me perdi.
Minto. Perdi-me uma vez. Tinha 3 anos. Estava na Baixa com os meus pais e era Natal. Ainda hoje me lembro disso. Do cagaço.



* Advirto os desatentos que este GPS não é de ar nem de mar. Não sou louco. Com oceano por todos os lados ou no meio de um céu estrelado não há bravura ou velha guarda que resista.

Um dia escrevi isto. Continuo igual.