Partíamos, invariavelmente, da estação de Santa Apolónia. O destino era o resto da Europa. A preparação começava meses antes em casa uns dos outros onde traçávamos um esboço de um primeiro plano da viagem. Cada um tentava puxar para o seu lado do mapa.
Chegávamos à estação em cima da hora. Não havia check-in. Na estação, os pais, irmãos e namoradas vinham despedir-se. Íamos estar um mês fora e by our own. Era o tempo das férias grandes e tínhamos 17 ou 20 anos.
À hora certa, sempre às 17h45m, o chefe da estação fazia soar o apito. Nos altifalantes anunciava-se o destino. O comboio soltava os seus primeiros movimentos e largava os vapores do motor. Pegávamos nas mochilas - carregadas até ao limite -, dávamos um último beijo e entrávamos no Sud-Express, o comboio do Sul da Europa, o mais romântico dos comboios do Sul.
Escolhíamos um compartimento jeitoso, que desse para cinco ou seis, e instalávamo-nos. Rapidamente alguém sugeria uma volta ao comboio. Podia ser que encontrássemos a companhia de umas miúdas simpáticas ou simplesmente… boas. Em grande excitação dirigíamo-nos para o bar. Pedíamos umas cervejas e começávamos a falar com malta como nós: alemães, espanhóis ou italianos. O destino era Espanha. Tinha que ser Espanha. Madrid ou San Sebastian, dependendo do trajecto ser para o Leste ou mais para Norte. A primeira noite era sempre eléctrica. Normalmente não pregava olho. A partir daí, o cansaço não permitiria noites em branco. A meio da noite, numa estação estranha e sem referências, fazíamos umas sopas instantâneas na panelinha que levávamos ou partilhávamos uma erva tranquilos.
Chegar a uma estação no dia seguinte é uma sensação única. Já não se fala português e sentíamos que tínhamos cumprido a primeira etapa. Definíamos rapidamente se nos interessava ficar aí um dia ou se seguíamos a rota. Normalmente não perdíamos tempo. Queríamos pôr-nos a milhas o mais depressa possível. Espanha e Itália são países magníficos, mas queríamos mais. Recordo especialmente nos balcãs Dubrovnik e uma viagem complicada a Sarajevo. Por baixo das pontes ainda de pé, o rio Neretva. Budapeste era a capital europeia do sexo. Na Polónia, as miúdas abriam-se ao ocidente. Em Santorini e Ios aprendemos o significado da expressão “festa nas ilhas gregas”. Certa vez, chegámos aos países da Escandinávia. A seguir viriam Helsínquia e a báltica Tallin, onde a cada dia que passava a temperatura baixava um grau e onde os finlandeses se abasteciam de bebidas alcoólicas. Que pena São Petersuburgo… Mais para baixo, já de regresso, Amesterdão apresentava-se com a sua cultura própria e os magic mushrooms. As histórias eram imensas. O som das partidas, insuperável. Comíamos mal (às vezes apenas o molho de uns enlatados) e dormíamos pouco. A Lisboa chegávamos sempre mais magros. Mas tínhamos histórias. Histórias que nos valeram, muitas vezes, um beijo de uma rapariga. Histórias que hoje, todos mais velhos, alguns casados, recordamos com a saudade dos bons amigos.
Este texto é uma homenagem ao Sud-Express, aos comboios, mas sobretudo a todos os meus companheiros de viagem com quem tive a honra de viver os inter-rails da minha vida.
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