Mostrar mensagens com a etiqueta Vinicius. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Vinicius. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Astrud Gilberto (1940 - 2023)

 


Um disco essencial, uma voz fundamental.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Carioca

 
 
«(...) Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa, em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa do que alta; é dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.

Que outra criatura no mundo acorda para a labuta diária como um carioca? Até que a mãe, a irmã, a empregada ou o amigo o tirem do seu plúmbeo letargo, três edifícios são erguidos em São Paulo. Depois ele senta-se na cama e coça-se por um quarto de hora, a considerar com o maior nojo a perspectiva de mais um dia de trabalho; feito o quê, escova furiosamente os dentes e toma a sua divina chuveirada.

Ah, essa chuveirada! Pode-se dizer que constitui um ritual sagrado no seu cotidiano e faz do carioca um dos seres mais limpos da criação. Praticada de comum com uma quantidade de sabão suficiente para apagar uma mancha mongólica, tremendos pigarreios, palavrões homéricos, trechos de samba e abundante perda de cabelo, essa chuveirada — instituição carioquíssima restitui-lhe a sua euforia típica e inexplicável: pois poucos cidadãos poderão ser mais marretados pela cidade a que ama acima de tudo. Em seguida, metido em sua beca de estilo, que o torna reconhecível por um outro carioca em qualquer parte do mundo (não importa quão bom ou medíocre o alfaiate, de vez que se trata de uma misteriosa associação do homem com a roupa que o veste), penteia ele longamente o cabelo, com gomina, brilhantina ou o tônico mais em voga (pois tem sempre a cisma de que está ficando careca) e, integrado no metabolismo de sua cidade, vai a vida, seja para o trabalho, seja para a flanação em que tanto se compraz.»

 

'Estado da Guanabara', por Vinícius de Moraes

sábado, 26 de outubro de 2013

A hora íntima



Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Rio, 1950


Vinicius de Morais, "o homem dos vícios imorais"

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mensagem

Em Dezembro de 1968, Vinicius de Moraes, a caminho de Roma para passar o Natal, encontrou-se em Lisboa com Amália para uma noite de poesia e canto. Também estavam Ary dos Santos, Natália Correia, David Mourão Ferreira e Alain Oulman. Esse encontro ficou gravado e foi editado em disco.
No final deste serão em casa de Amália, foi-lhe pedido que deixasse uma mensagem sobre a sua passagem por Portugal.


"Bom, me pedem para dizer as impressões que eu levo de Portugal. 
As impressões são as mais carinhosas possíveis. Um povo do qual eu descendo e no qual tenho as minhas raízes mergulhadas e que eu queria conhecer um dia. Porque eu sou um homem meio sem pátria. Não tenho pátria. Minha pátria é a Humanidade, mas de toda a maneira eu queria conhecer o povo português, queria entrar em contacto com ele. Um povo com um tremendo anseio de viver, e de aparecer e de reaparecer na História, né ?, esse povo heróico, que deu tantas coisas lindas, né ?, um povo que deu um poeta como Luiz de Camões, todo o cancioneiro português antigo que eu conheço tão bem e no qual eu embebi, do qual eu sofri uma grande influência.
Então, a impressão que eu levo deste povo, do meu contacto com... com ele e com os intelectuais, com os poetas, com as pessoas, é uma impressão assim de... ao mesmo tempo de beleza e de tristeza, né ?... engraçado !
Porque o contacto foi o mais amoroso possível - e esse é o único contacto que me interessa - mas ao mesmo tempo uma impressão de tristeza, de ver este povo tão formalizado ainda, né ?
Eu tenho a impressão de que o povo português precisava de se desengravatar, né ? perder assim... uma série de formalismos que ele conserva, né ?, de maneira que o que eu posso dizer ao povo português neste momento, a meus amigos portugueses que me trataram com tanto carinho, que tiveram tanta atenção comigo - inclusive uma atenção de que eu não me acho merecedor, porque eu acho que ainda também não descobri o meu caminho - é esta: despir-se do seu formalismo !
Esse é o grande problema do povo português, para mim, do que eu pude verificar aqui. Integrar-se na Grande Vida, né ? num negócio que eu também não sei como explicar, mas que eu acho que é fundamental para o ser humano. Comunicar-se cada vez mais. Amar-se, amar-se, sem problemas, sofrendo muito (o sofrimento faz parte do jogo, não tem importância).
Nós somos praticamente 100 milhões de seres humanos falando uma língua comum e a nossa poesia é comum de uma certa maneira. Nós temos os mesmos problemas, a mesma tristeza de conhecer o nosso semelhante de uma maneira que outros povos não conhecem, temos assim a... mesma doçura para viver, uma certa necessidade de se comunicar que outros povos não têm. Nós somos os últimos povos que amam e que cantam, né ? e que escrevem uma poesia direita, que tenta dizer qualquer coisa. 
A minha única mensagem que eu deixo aqui a vocês, hoje, na casa de minha querida amiga Amália Rodrigues - essa tremenda cantora, né ? que eu amo, cuja voz eu amo e que realmente transmite, para mim transmite assim o que seria, digamos assim, um Portugal verdadeiro - a única coisa que eu queria dizer a vocês é o seguinte: ROMPAM AS CADEIAS ! VIVAM ! AMEM ! AMEM-SE ! ROMPAM AS TRADIÇÕES ! ROMPAM OS PRECONCEITOS ! e aí eu tenho a impressão que cada um vai ser... pode, pode se tornar mais feliz, porque eu acho que o grande problema do ser humano é a felicidade. Cada um deve procurar a sua felicidade e ao procurar a sua felicidade procura, normalmente, a felicidade do seu semelhante, né ?
Não sei se eu disse muita bobagem, hem ?, mas eu disse isso aqui que disse para vocês com o maior espírito de verdade, de amizade e de compreensão.

... e agora eu quero ir para minha casa."

(em 'Amália / Vinicius', 1970, Edições Valentim de Carvalho SA) 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"Porque a vida só se dá pra quem se deu, Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu" *

"Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura e inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual - a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos rios, no corpo da mulher amada."



Oscar Niemeyer

15.12.1907 - 5.12.2012

Oscar Niemeyer, Vinicius de Moraes, a mulher Lila e Tom Jobim


Tirado daqui. Gracias Joaninha !


* Vinicius de Moraes, 'Como dizia o Poeta'

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A música do Avô - XXII


Senão é como amar uma mulher só linda
E daí ? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
(...)
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão

- Samba da Benção -

quinta-feira, 28 de abril de 2011

MaraMessi

Messi maravilha é mesmo uma maravilha.
Mas não é Maradona. Nunca será.
Porque, apesar de golos obras-primas como ontem, será sempre um perfeitinho. Demasiado perfeito. Bonitinho, com o cabelinho penteadinho e todo engravatadinho. Sem lesões de acabar-carreira. Sem vícios, sem drogas. Um brinquinho sem um brinco.
Menino do coro, se calhar nunca mentiu. Provavelmente lava sempre os dentes antes de ir para a cama e atravessa a rua sempre na passadeira. É casa-treino e treino-casa. Pelo meio ginásio, cerimónias e prémios e nunca manda ninguém para o caralho. Ele que é argentino. Mas que, em vez de crescer nos bairros pobres e nos campos pelados de Buenos Aires, ou sentir o milagre de jogar numa cancha do Boca ou do River Plate, veio cedinho para a limpinha Europa e acabou moldado mutante. Perfeitinho. Quase inumano.
E é o lado trágico das imperfeições humanas (como já aqui disse) que é belo, que encanta no futebol, como na arte e na vida.
Porque, como cantava Vinicius, no "Samba da Benção",

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão.

Messi continua a fazer golos de génio, é verdade, como o segundo ontem contra o Real. Não é trágico nem belo. 




Mas agora concentremo-nos no Benfica e em ganhar aos jagunços de Domingos logo à noite.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Saravá !


"A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.



O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre."


Vinicius de Moraes

terça-feira, 4 de maio de 2010

o último tango em paris

Andava há anos para ver este filme.
Mas anos, são mesmo anos. Depois de ouvir o meu pai falar dele durante parte da minha adolescência e vida adulta, quando finalmente o encontrei em DVD, ainda o tive na prateleira durante mais dois anos até que decidi pôr a "película" a correr. Parecia ter pudor ou, talvez, medo de estragar a ideia que construíra. Como se preferisse guardá-lo num canto da imaginação etérea. Mas a vida é concreta e, portanto... pu-lo a rodar.
Parte da magia deste filme está na aura que o rodeia. Como aconteceu em Portugal, o simples facto de a censura o ter proibido dava-lhe uma dimensão quase mítica. Pessoas da idade dos meus pais iam a França só para ver o filme. E a verdade é que ele vive dessa dimensão e daquilo que outros nos transmitem.
Tive em casa um pai que, sempre que me falava deste filme, o rotulava de a experiência erótica por definição, o erotismo no seu estado final. E com estas ideias, fui criando uma certa imagem do filme. Que seria isto, afinal ? Um Emanuele ?, pornografia ?  o quê ?
A verdade é que "O Último Tango em Paris" é um romance. Uma história de amor. Louca, absurda, bonita. Não é, hoje, passados quase 40 anos sobre a sua estreia, um filme erótico. Acho que nunca o foi. E, no entanto, grande parte das duas horas do filme são passadas dentro do velho apartamento onde ele (Marlon Brando) se encontra com ela (Maria Schneider) para matarem a sua sede de sexo. Mas não é um filme erótico.
É um romance. Ele, atormentado pela morte da mulher, quer suicidar-se no corpo dela. Ela quer saber o nome dele, de onde vem, o que faz, com quem fode. Ele não lhe diz nada. Mas acabam sempre no apartamento.

Depois, o filme muda. Ele apaixona-se por ela.
Percebemos isso quando Bertolucci nos mostra Paris fora do apartamento. Uma ponte. Um salão onde se dança o tango, ele a correr atrás dela na rua (julgo que vêm dos Jardins do Luxemburgo). Embriagado, mas apaixonado, a querer contar-lhe tudo sobre si. O nome, a idade, que gere um hotel, o que lhe aconteceu na vida. Embriagado, de whiskey, porque só assim lhe podia dizer tudo. Que a amava.
Mas para ela é tarde. Ela já não quer. Quando quis, ele não queria. E agora arranjou um namorado, com quem vai casar, penteadinho, que é certinho e lhe vai dar uma vida certinha, aborrecida e normal.
Ele persegue-a, quer-lhe dizer que a ama, que já não se quer suicidar nela. Dança com ela, mas ela não sabe o que é o amor dele. Confusa, masturba-o uma última vez. Mata-o.

Fica-se assim. Com aquela sensação meia amarga de Vinicius de Moraes de que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida..."