Otis Redding morreu brutalmente cedo, despenhado num avião aos 26 anos. Mas muito a tempo de entregar a alma toda ao soul e de encharcar a música popular americana com a explosão de um maremoto. Gravou seis discos em vida e, três dias antes do eclipse total, o tantas vezes celebrado "Sittin' on the Dock of the Bay". Ainda actuou no Monterey Pop Festival, a meca do rock psicadélico de '67, junto a nomes como Hendrix, Janis Joplin e a Big Brother, Simon & Garfunkel, Canned Heat, Jefferson Airplane, The Animals, The Who, os Mamas & Papas ou Ravi Shankar, abrindo caminho à nova onda que estava para vir. Foi aí que se se pôde escutar um homem que só podia estar de rastos.
Na vida as coisas nunca são só como a gente quer. Foda-se, de repente pareço o Mick Jagger a escrever canções.
A madrugada tinha escorrido quase inteirinha a ver o "Woodstock". E não só o "Director's cut", mas o filme completo. Era Agosto e havia praia. Duas horinhas de sono apenas não seriam de menos. Recuperava na areia do dia seguinte. De regresso ao ritmo dos dias, só pensava em tê-lo na mão. Tinham lançado o filme completo em DVD. Em Portugal numa edição limitada que rapidamente esgotou. Porque há filhos e enteados. Sobrava o mundo imaterial e detestável da internet: a Amazon. Tau ! Tinham, claro. Encomendou. Pagou. Quando chegou… não dava. Foi ver. Era um “Blue Ray”. Como não pesca um chaveto destas coisas, tinha comprado um DVD incompatível com o aparelho que tinha em casa. Fuck. Como tem sangue de judeu, e o sangue não perdoa, não ia agora comprar um aparelho “Blue Ray” só por causa do filme. O que temos usamos até ao fim. Passaram mais 4 longos anos, até que finalmente o bicho deu o berro. Arre que era bom ! Meteu-se no carro e pimba, 79 euros num “Blue Ray” em promoção. Não volto a gastar mais do que 100 numa porra destas. Até que finalmente. Ontem à noite repetiu a madrugada, quando as vozes do mundo se calam e o inferno sossega. Woodstock não era só (?) Jimi Hendrix, Jefferson Airplane, Santana, Richie Havens, os The Who, Joe Cocker e os Crosby. Era agora 3 days of peace and music. Eram 40 minutos de Grateful Dead, e os Creedence.
Palavra que achei que não tivesse coragem. Mas agora já está. Acabou o tabu. Sempre o tabu. Claro que tabu.
Vou alistar-me. Como voluntário. É que isto para mim é guerra. De outra maneira só sai de lá quando a minha miúda tiver 10 anos feitos (!) e isso é criminoso.
Agora mais a sério, não vou falar da pobreza do discurso, aliás tão condizente com a personalidade do Senhor Professor, ou do silêncio sereno e discreto (palavras que ele gosta) a que se remeteu sempre que pôde durante este mandato. Direi apenas que a notável e lamentável falta de memória dos portugueses não devia fazer esquecer o acto mais espúrio que a nossa democracia viveu desde que é gente: o caso das "escutas" em Belém, de que é totalmente responsável, por acção, ou omissão, mostrou o que pode haver de pior num regime político. Ou bem que o Governo espiava o PR e isso era da máxima gravidade e então teria que ser levado às últimas consequências, ou o PR (por si ou através dos seus) montou uma (desajeitada) estratégia de sabotagem do Governo - que foi o que me pareceu - e então também teria que haver as mais severas consequências com demissão do responsável (ele próprio) e não do seu assessor. Mas não. O que fez foi uma declaração ao país, tonta, em que veio falar dos seus receios quanto à vulnerabilidade do sistema informático da Presidência (?!). Isto não revela coragem. Revela muita cobardia. Não revela sentido de Estado. Revela alguém que se agarra ao cargo. Revela alguém que não serve os portugueses, mas ele próprio e os seus interesses. O Senhor Professor pode ser o presidente de todos os portugueses, mas nunca será o meu presidente.
... Até que entramos na Faculdade. E a pressa dá lugar à dúvida, crítica e desconfiada do quem são estes gajos ?, que olha de esguelha. Seguida quase sempre de uma boa discussão. Arrogante do caraças ! Ou não. Dêem-lhe tempo. Deixem-no falar. Afinal, o tipo é dos bons. Meio maluco, mas entra. Encontramo-nos logo à noite para um copo. Na Trindade. Vens passar o fim-de-ano connosco. Vamos para Porto Covo. Ok. E, como gostamos de fazer amigos, conhecemos malta nova. Tive sempre a sorte de ter bons amigos. Mas tive ainda mais sorte por ter feito os Melhores Amigos depois dos melhores amigos.
Dois artistas bem apanhados. Dois tipos que são como irmãos. Donos connosco de tantas histórias que já não sabemos de quem são ou quem as começou, e que seria impossível contá-las aqui. Porque é impossível meter 15 anos que parecem 30 numa folha de papel.
O que é que se conta de bocados sem conta ? As noitadas de copofonia que nos atiraram para o dia seguinte com o remorso abstémio e juras de nunca mais ressaca ? A acordar debaixo do sol que frita no Alentejo ao meio-dia ? Ou a Purple Haze de Amesterdão que entorpece, mas menos que os magic mushrooms... que nos quiseram pendurados no suporte onde se põem as malas num comboio que acabava na Gare du Nord com cortinas que mudavam de cor ? As garotas de quem falámos ? Todas ? Os discos trocados ? Dos Pink Floyd, dos Stones ou do Vinicius ? Da Astrud a cantar "Água de Beber" ? As discussões sobre o top 5 dos melhores guitarristas ? Não há tempo, porra. É muita coisa.
São os três inter-rails na Europa e as viagens depois disso. Total vagabundagem. No Rio. Istambul. Deserto. São mil jogatanas e os murros que quase nos demos por uma entrada mais serrada no futebol das dez da noite. Suor e saliva que escorriam no meio de dentes trancados e os peitos arqueados. Foi levarem-me ao Hospital quando estoirei o joelho direito, com a camisola 9 da Argentina vestida, e comentarem com a enfermeira de serviço que o da cadeira de rodas estava a fazer um bom jogo. E é preciso mandar uma parede da casa abaixo ? Deixa estar que eu trato disso. Quando é que queres que leve a marreta ? Cuidado com as costas, pá. É muita merda. Está um dia do caraças e os Red Hot Chili Peppers no "mata-esquilos". Cagamos na Filosofia do Direito e vamos surfar para os pontões da Caparica ? Yep. Sentados na tábua depois da rebentação à espera da nova onda. Então a gaja é que acabou contigo ???... Deixa lá isso e molha a cabeça. As gotas salgadas que não saltaram mas encheram os olhos. E não se fala mais sobre isso.
E o amor que há na filosofia de milhares de horas passadas a argumentar. E os putos que agora temos, os que não temos, e a quem vamos encher com tanta história que vamos ser impossíveis de aturar - God damn it ! - e que também irão à Luz.
Mas estes meus dois amigos são dois irmãos. Que me lembram sempre os Jefferson Airplane.
Azeitão. Cinzeiros carregados. Copos já vazios. Planos e mapas em cima da mesa. Este ano vamos para aqui. Só que a noite é quente e mal dormida. As filhas da puta das melgas não deixam. Madrugada e salta o "Songs of Love and Hate" do Cohen para a aparelhagem. Porra, pá, deixa-me dormir. Queres melhor a esta hora ? Ok, não há, mas cala-me o "Joan of Arc". Sete da manhã, não vale mais a pena, e liga-se a televisão. Mira-técnica do canal da Igreja. Dois babacas a olharem para ela. Olhos semicerrados. 'Bora p'rá praia. No Fiat Uno cinzento, aquele que capotou e terminou de patas para o ar. Vou no banco traseiro. À larga. Oiçam isto. Dou para a frente uma cassete com o "Surrealistic Pillow" (lado A) e o "Volunteers" (lado B). Já conhecia os Airplane por causa do concerto que tinham dado no Monterey Pop Festival de '67 e que tinha gravado numa VHS.
Oiçam isto. A caminho da praia da Ferreirinha.
e uma hippie bem ganzada que introduz: "... we kinda gotta wait for a new wave to come, and then a whole new set of rock 'n' roll bands come along with it, which creates all the other... bullshit."
High Flyin' Bird, Today e Somebody to Love. Oiçam todas.