Ceuta. Enclave espanhol.
Finalmente o Norte de África.
Na fonteira, uma rigorosa inspecção. Aos passaportes e passageiros, aos veículos, às mercadorias e bagagens.
De desconfiado capote azul e sobrolho carregado, as autoridades marroquinas da fonteira conduzem um pequeno inquérito. Reclamam documentos, papéis, licenças e autorizações. Fazem perguntas. O que vamos fazer no país. Onde vamos ficar. Por onde vamos passar. Para que é a máquina fotográfica. Por que levamos uma rapariga connosco. Descobrem umas “Playboy” na minha mochila. Perguntam para que são. Censuram. Demoram-nos. Ao cabo de umas boas duas horas, tudo em ordem. Podemos seguir.
Mas isto só para quem quer entrar de carro. No cimo do monte rente à fronteira, desfilam centenas de pessoas por dia sem qualquer interpelação, sem qualquer controle. Levam mulas, filhos, arroz, água, artigos de contrabando, tabaco.
Arrancámos para Chefchaouen, a cidade azul. Azul das casas. Casas polvilhadas de um maravilhoso azul cobalto. Fica no sopé das montanhas do Rif. Chefchaouen que (dizem alguns) significa “vê as montanhas”.
Parámos.
Num lugar estranho e nebloso bebemos o primeiro chá de menta. Comemos uma carne picada que para lá tinham. Quiseram que experimentássemos o kif marroquino. Aceitámos. Ficámos a saber que esta é a principal região do país produtora de cannabis.
Vendo-nos portugueses, uns vendilhões, de orelha atrás da porta e aspecto duvidoso, vieram falar-nos, de Cascais, batata-frita, Benfica e Sporting, Tahar e Saber.
Até aqui a chuva perseguiu-nos. E, talvez por isso, o Norte do país faz lembrar o Minho ou as Astúrias. O Alentejo e a Andaluzia são muito mais secos e agrestes que o verde das montanhas que rodeiam estes ares.
E continuámos. Para Fés.
Já não víamos vivalma há algum tempo.
A meio caminho parámos para comer. Numa tenda à beira da estrada, onde nos pudemos abastecer de gasóleo, água e outros mantimentos.
Cá fora, dois enormes bocados de borrego pendurados. Cobertos de moscas. O dono do local deu duas palmadas na carne para as sacudir e enxotou os cães escanzelados que esperavam as sobras. Cortou, temperou e grelhou a carne. Pelo meio deixou cair uma ao chão. Pas de problème! Serviu-nos com pão torrado. A fome ignorou o resto.
Voltámos para a carrinha.
Iamos rodando o volante, mas eu é que tive a sorte de chegar a Fés a conduzir.
Fés, a primeira das cidades imperiais. Eram seis da tarde. Atrás de mim, o Fuller reclamava. Queixava-se do tratamento à caixa de velocidades.
Abrandei à porta da cidade. Procurava com os olhos orientar-me. Um sujeito de turbante fez-nos um gesto com o dedo ameaçando cortar-nos as cabeças. Senti o sangue gelar. Eu e o Fuller, porque os outros não viram. Pelo sim, pelo não, dei meia volta. Para outra porta.
Mal entrámos na cidade, já tinha um carro na minha direcção. O outro vinha completamente em contra-mão. Só tive tempo para travar a fundo e esperar quieto que ele se desviasse. Desviou. Passei a mão pela testa onde me escorria um fiozinho de suor.
Chegava a noite. Procurámos alojamento e deixámos os pés levarem-nos pelo dédalo da linda medina de Fés. Muito comércio e um movimento estonteante, confuso e desordenado naquele emaranhado de souks. Todas as horas são boas para se fazer negócio em Marrocos. Tudo depende do que se tem para oferecer.
As mulheres são um elemento quase circunstancial. Pairam, cobertas pelo tchádor e pelo longo hijab. Numa lógica própria e condizente, limitam-se a comprar figos secos, tâmaras e pão. Regateiam. Andam aos pares, com os filhos pela mão, quase sempre atrás dos maridos, mas sirandando de canto em canto como se dançassem.
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