terça-feira, 13 de abril de 2010

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Não sei porque é que ela desviou a cara. Porque é que se foi embora. Porque é que sorriu complacente quando lhe pedi que me anestesiasse também. Ao menos meia dose. Alguma coisa. Afinal, o puto só tinha três meses e iam abrir-lhe a cabeça. Então uma droga qualquer. Têm tantas... Armários cheios. Foda-se, não estou a brincar ! Não precisam de me espetar, nem avisar. Resolvam lá isto. Não são médicos ? Não fazem curas ? Não acalmam a dor ? Resolvam lá isto. Porque é que se vai embora ? Porque é que desvia a cara ? Porque é que sorri assim, ao de leve, quase querida ? Porque é que não me anestesiam também ? É só por umas horas. Depois volto. Vá. Despachem lá isso. Não ? Porquê ? Porque és beirão. Ah, é isso. Hã ?
Como ? Nasci em Lisboa. E nunca vivi noutro sítio. Não me venham com as minhas próprias tretas. Beirão... uma ova ! Dêem-me é qualquer coisa. Calo-me logo. E saio do caminho. És beirão. E o beirão finca os dentes numa  pedra e aguenta. Aguenta. Estou farto de aguentar. Tenho aguentado muita merda, minha Senhora. Isto não. Não quero. Vá. Ninguém tem que saber. Arranje-me só um cantinho e eu vou para lá. Não chateio mais. Não pode ser. Os outros também aguentam. Os outros ? Que outros ? Quero lá saber dos outros. Eu é que preciso. Ei ?!  Porque é que se vai embora ? Espere... Não me está a ouvir ? Espere !

Miúdo,
Daqui a umas horas lá te levo novamente. Vão concluir o que começaram. Não tenhas medo. O pai está lá. Não peço drogas. Bem, talvez com os olhos. Não. Não adianta. Não dão ao pai. Não sabem como custa, como dói fundo, entregar-te. A Deus. Sim, a Deus. A eles. Tu, que és minha responsabilidade. Ver levarem-te. Pequenino demais para aquela cama. Tu, que és a minha responsabilidade. Como se o pai entregasse a sua responsabilidade quando escalou o Pico nos Açores... Apesar de lhe doerem tanto os joelhos que já estalavam, e por mais que as alças daquela mochila lhe rebentassem as costas, quase enterradas na carne...
Puto, o pai está lá. Sou teu e tu és meu. Para sempre. Tudo pode mudar. Excepto isto.

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