sábado, 10 de abril de 2010

O Coronel Kurtz

"Com o meu irmão Pedro, por exemplo, darmos o braço é fazermos chichi juntos, no escuro, junto à cascata do jardim dos meus pais, com um comentário sobre o jacto respectivo. Depois sacudirmos os pingos ao mesmo tempo porque a pila não sabe fungar. Então abotoamo-nos e cada um vai para o seu lado, em silêncio. Deve ser difícil as mulheres entenderem isto mas, para os homens, fazer chichi lado a lado, ao ar livre, é sinal de amizade, a olharmos para baixo, cheios de duplos queixos. Tanto che che che nesta frase. Fazer chichi na rua é um dos meus prazeres, devo ter sido cachorro noutra encarnação. Detesto urinóis, retretes: haverá alguma coisa que se compare à exaltação de mijar contra uma parede? Às vezes, a seguir ao jantar, digo ao Pedro



- Já mijaste?



sabendo que ele estava à minha espera para essa celebração da cumplicidade. Nem que sejam três gotas faz-se um esforço. Vemos as árvores, vemos o muro, não nos vemos um ao outro mas estamos ali. Nem quero pensar na ideia de fazer chichi sozinho. No fim pergunta-se



- Como é que estás?



sabendo que o parceiro se cala. Depois cada um no seu carro, sem mais palavras. Um atrás do outro e, a certa altura, separamo-nos, com um sentimentozito de despedida que custa. Quer dizer não custa assim tanto, custa um bocadinho e passa."





Tenho uma relação difícil com o Coronel Kurtz. Antipática. Azeda. Muitas vezes cheia do ódio que guardamos para os bons amigos. O ódio de quem não compreende o que lhe querem dizer. Ou não quer. Eu sei que tens bichos a morderem-te os dias, mas, pr'ó diabo!. Não consigo ver a amizade sem sangue, sem as vísceras à mostra, sem lhe encostar a testa. Sem lhe dizer na cara aquilo que acho. Excepto quando ele fala do Benfica ou é entrevistado, desde que não seja pelo Mário Crespo, muitas vezes tenho de o mandar à merda. Afinal não é excepto. É complicado. Não é fácil. Porque, se não sou eu, é ele que me manda à merda. Andamos muitas vezes assim. Às turras. Eu a chamá-lo e ele a dizer que se está nas tintas para mim. Ele a querer falar e eu a assobiar para cima. Amuados cada um para o seu lado. Até podia alcatroá-lo, mas nunca lhe deitava as penas. Nem deixava.
É que há sempre um jazz, um cigarro ou um whiskey. Há sempre um texto. Um belo texto. Eu digo-lhe obrigado, pá. E ele vai-se embora.



Aqui. Todo.

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